ano 4, n. 1, abr. 2021
Macro Pinturas
Lua Clara Pasiani
UNIVERSOS
Já faz um tempo que gosto de pingar à tinta. O pingo ou o ato de pingar é um elemento que me acompanha desde a minha primeira série de pinturas. Gosto das formas que a gota cria ao se chocar com a superfície; gosto do fato da gota representar um momento específico, o intervalo de tempo entre soltar o líquido aprisionado, sua queda e seu choque com a superfície da tela.
Cada gota sugere um momento e forma únicos, sobrepujando o controle e previsibilidade do artista. Por mais que seja possível definir a altura de queda entre a base do canudo e a tela, a quantidade de líquido que será usado e o diâmetro do canudo ‒possibilitando estimar o tamanho e a forma da imagem que será gerada– ainda assim, a aparência final é singular e por vezes inesperada.
O processo é primordial, sem ele não haveria pintura. Não há uma prévia mental do resultado ao iniciar um novo trabalho, existe talvez uma sugestão. A imagem vai se estruturando a cada novo gesto, e sigo cedendo às suas solicitações. Nesse contexto, a autonomia da tinta aguada é como uma companheira que realiza o trabalho em conjunto, escapando do controle absoluto e imprimindo sua parcela de autoria em cada obra.
Em minha série anterior (Micro Pinturas Afetivas) a gota era pontual, estava sempre presente, mas nunca havia muitas em uma mesma obra. Em um determinado momento resolvi fazer uma superfície de pingos –um mar de pingos na verdade– e esse agrupamento foi muito interessante. Decidi multiplicar e ampliar essas gotas, passando para suportes maiores, preenchendo toda a superfície e criando a partir daí.
A princípio, essas novas imagens me pareceram paisagens ‒como se as paisagens das Micro Pinturas tivessem crescido e tomado outras formas– mas percebi que o que surgiam da aglomeração de centenas de gestos eram universos dessas gotas “indivíduos”, mundos criados pelo agrupamento da unicidade de cada mancha em meio a um grande emaranhado de semelhanças e disparidades.
Nessa dimensão expandida, grupos diferentes se harmonizam, conduzem o olhar, criam rotas e pequenas histórias dentro da narrativa principal. As velaturas ajudam a delimitar esses grupos, criando ambientes particulares no espaço geral. Também alteram, intensificam, abrandam cores e realçam detalhes. Estão presentes em grande parte da obra de forma quase imperceptível, sendo uma das etapas mais demoradas da pintura e a mais sutil.
Os pontos e as linhas, assim como as velaturas, ajudam a criar essas narrativas. As ondas de pontos dão movimento, subgrupos que trazem o micro mais uma vez para o macro; já as linhas criam outra estrutura: os “sóis”, uma nova classe de indivíduos; manchas “iguais” às outras, mas totalmente diferentes, que expandem e delimitam novos espaços, capturam o olhar, inquietam e atraem.
Interpreto esses universos como uma representação simbólica de sociedade, de individualidade, do desejo de se destacar e de fazer parte do todo ao mesmo tempo.

Universo 3
Série: Macro Pinturas
2018
Acrílica sobre linho
90 x 100 cm

Universo 3 (Detalhe)
Série: Macro Pinturas
2018
Acrílica sobre linho
90 x 100 cm

Universo 5
Série: Macro Pinturas
2018
Acrílica sobre linho
90 x 100 cm

Universo 8
Série: Macro Pinturas
2019
Acrílica sobre tela
90 x 100 cm

Universo 14
Série: Macro Pinturas
2020
Acrílica sobre tela
90 x 80 cm

Universo 14 (Detalhe)
Série: Macro Pinturas
2020
Acrílica sobre tela

Universo 13
Série: Macro Pinturas
2020
Acrílica sobre tela
60 x 60 cm